A cerveja
desceu suave. Era como se tivesse aberto o caminho com uma dose de steinhaeger
antes do gole merecido da bebida gelada. Olhos cerrados, franzindo suas
têmporas que já apresentavam algumas rugas do tempo, o punho forte levantando a
caneca de vidro transparente, levando como um guindaste criado pelo conjunto
braço, punho, caneca e cabeça, a cerveja escorrer pelos cantos da boca. A cabeça
inclinada evidenciava o pomo de adão, único a mostrar que o líquido descia
escandalosamente rápido pela sua garganta. Em menos de 20 segundos, jogou sua
cabeça para frente, maxilar travado, lábios dramaticamente abertos com um ruído
sibilante saindo por entre os dentes amarelados pelo cigarro. A caneca bateu no
balcão como um martelo. Um gemido de prazer em forma de um interminável “ah”
fez o barman trazer, sem ser consultado, mais uma caneca com a bela bebida
encimada por uma cândida espuma.
_ Este
primeiro desceu bem. Foi para matar minha sede. Este segundo, bem, este é para
sorver com calma e aproveitar o sabor. Não, não quero nada para comer. Quero
sentir o álcool entrando sem interferências em meu sangue. Quero meu cérebro
ébrio. Morrer de barriga cheia não me parece ser coisa boa. Não gosto de pensar
na comida apodrecendo mais rápido que minha carne. Deve ser como um porco ou um
perú recheados com frutas, farofas e outros recheios. Mortos mas estufados de
comida. Eu disse a ela que fosse primeiro. Eu precisava passar aqui neste bar
que tantas vezes me acolheu em minhas incertezas e nas errantes certezas. Ela
insistiu para que eu ficasse. Para quê? Perpetuar o sofrimento? Manter por mais
alguns minutos nossa tragédia viva? Ser ao seu lado, cúmplice de sua envolvente
loucura que me leva agora a este extremo? Não! Ela que vá primeiro. Antes eu
tinha que vir até o bar. Sempre foi assim! Ela concordou a contragosto.
_ Você
prepara para mim? Acho que tenho medo – disse ela tranquilamente, certa de ter
escolhido esta opção em por fim a sua vida.
_ Ora, eu
preparo para você. Não corroo risco de ser preso por este delito. Não numa
cadeia. Talvez num caixão barato. Mas só o meu corpo. Você me espera do outro
lado como combinamos, ok?
_ Claro,
meu amor. Não vou te decepcionar. Sou sua para sempre, aqui e depois da morte.
Vamos viver eternamente!
Preparei o
veneno como quem prepara um delicioso drink. Levei o copo até ela que pediu:
_ Agora
sai. Não quero que você veja. Vai beber sua cerveja, se despedir de seu bar
preferido. Estarei te esperando do outro lado. Confio em você.
Beijei sua
boca buscando seu sabor com minha já sentenciada língua. Saí andando de costas
e fechei a porta fazendo seu lindo e sorridente rosto desaparecer.
A segunda
caneca acabou. _ Bebo outro ou paro por aqui? – pensei. Ora, vou tomar mais um
e tomar coragem para concluir o que já está decidido. A terceira caneca chegou.
Parecia mais brilhante, amarelo ouro, com a espuma branca e espessa
contrastando com o escuro ambiente do bar. Talvez tenha olhado para a caneca
com certa nostalgia, e percebido detalhes que antes não levava em conta. O que
antes era apenas uma caneca de cerveja, parecia agora um presente de Deus, uma
dádiva, um maná. Tirei do bolso de meu paletó o pequeno frasco do potente
veneno e bebi de um só gole. Antes que ele chegasse ao estômago, tomei o
conteúdo da caneca da mesma maneira que fiz com a primeira. Sem saber quanto
tempo levaria para morrer, tirei umas notas de dinheiro do bolso e deixei no
balcão. Não queria ir para o outro lado deixando dívidas de bar. Já as de
banco, quem se importa com isso? Sempre me roubaram todos estes anos.
O bar
começou a parecer turvo, minha cabeça ficou dormente, um gosto amargo de sangue
subiu por minha garganta enchendo minha boca com seu ferruginoso sabor. Minha
cabeça caiu inerte e pesada sobre o balcão, da mesma forma que eu fizera com as
canecas durante dezenas de anos.
Saí de meu
corpo, sentindo-me leve. Vi todos do bar correndo e tentando me reanimar. Achei
aquilo engraçado pois sabia que era em vão. Virei para a porta, instintivamente
buscando a saída e vi minha amada. Para minha surpresa, ela não estava morta.
Estava acompanhada de uma outra, de mãos dadas. Olhou para meu corpo caído, com
as pessoas se afastando por não terem mais nada a fazer, olhou para sua
companheira e esboçaram um sorriso, saindo em seguida.
Pobre
amada. Desde então assombro sua vida, transformando em medo todas as coisas a
sua volta. Serei impiedoso em minha vingança até o dia que eu conseguir
trazê-la para o meu lado. E ela será eternamente minha.
Paul Richard Ugo