Resisto. Resisto ao sono que insiste em me dominar. Já passa
de meia noite e, daí já é segunda feira. Mas insisto em prolongar o domingo.
Segunda será só depois que eu acordar. A rotina da semana que começará daqui a
pouco já me deixa incomodado. A dureza das obrigações, do trabalho, das contas,
da falta de tempo para nada fazer, ou de fazer aquilo que se gosta, me tira a
paz. Paz que tenho agora, sozinho diante de mim mesmo, sem máscaras ou sem
personagens. A azia sobe pela minha garganta me lembrando dos excessos
intermináveis de bebidas e comidas dominicais, mas isso não me soa ruim. Mas ainda
há tempo de mais uma dose pois o meu domingo deve continuar. Nem que por mais
um gole. Preencho o vazio que os problemas deixam em minha vida, como meteoros
que abrem crateras em solo fértil, escrevendo, ouvindo e vendo coisas que me enchem
a alma. E que me emocionam. Sei da inevitável responsabilidade das coisas que
virão com a segunda feira. Mas, olhando-as daqui, do alto de minha alma plena de
criatividade, sedenta de arte e estética, sempre em busca do sentido mais puro
de minha existência, vejo que são coisas menores, mas tal qual cupins, nos
corroem a vida. O sono arde em meus olhos. O tictac interminável do relógio
agora soa mais alto. O silêncio me faz ouvir minha alma vibrando e me faz perceber
a impossibilidade de que a busca por este acúmulo de informações, experiências
e compreensão do que realmente sou possa terminar um dia. Não. Além do legado que
deixamos com nossos filhos, da interação com outras pessoas, do que ensinamos,
do que construímos, do que produzimos, do que plantamos e que ficarão para
outras gerações, percebo cada vez mais que no final, levaremos esta bagagem
intangível do conhecimento para algum lugar que só reconheceremos na hora final.
E que será o nosso ponto de partida para uma outra viagem.
“Às vezes creio que personifico o inconsciente obscuro da raça humana. Sei que soa mal porém me encanta...” Vincent Price
domingo, 28 de junho de 2015
segunda-feira, 22 de junho de 2015
Alegres Folhas Mortas
Neste momento já é alta a
madrugada, quando todos dormem e o silêncio me envolve. É hora que meus
pensamentos me transportam a um quase transe e me levam a escrever. Lá fora, ao
longe, ouço mansas ondas quebrando na praia. A brisa leve faz as folhas secas
farfalharem baixinho ao correrem alegres pela varanda como crianças noturnas
brincando livres dos olhos dos pais. Encho minha taça com um pouco mais do
tinto italiano da Toscana. Continuo a escrever de onde parei na noite anterior. Mais um conto para concluir meu livro. E este último, tão assustador que não
parece ter sido escrito por mim. Olho para o relógio que marca agora três
horas. O silêncio agora é total. E sei o que isso quer dizer. E tiro proveito
desta hora, profícua para estar em contato com o sobrenatural. Estou quase no
final do último parágrafo do conto e ouço agora paços se aproximando pela
varanda. Apago rapidamente o abajur e acendo as luzes da varanda. Corro agora
até uma seteira de onde consigo observar toda a varanda para tentar ver alguma
coisa por entre a névoa. Não vejo ninguém. Os passos agora estão mais fortes e
consigo ver aterrorizado, as pobres folhas secas antes faceiras e brincalhonas
sendo amassadas por invisíveis pegadas. O ar me falta aos pulmões de tanto
pavor. Agora, ouço fracas batidas na porta. Me ponho diante dela e pergunto
baixinho, evitando acordar minha família: _ quem é você e o que quer? – Uma voz
masculina grave, porém em tom amistoso e cordial responde: _ abra a porta, pois
assim entrarei e saberá quem sou. Não
temas, pois, estou aqui para concluir o que minha morte interrompeu. Seguro a
maçaneta que estava mais gelada ainda que minhas mãos trêmulas e abro a porta
vagarosamente, num rompante de coragem e medo. Uma forte rajada de vento cuida
agora de abrir totalmente a porta, fazendo entrarem as alegres e mortas folhas
secas. Com a visão prejudicada pela poeira que me vem aos olhos não consigo ver
nada além das folhas, da névoa e da escuridão da noite. Fecho a porta contra a
força do vento que aos poucos enfraquece. Ainda assustado, tentando imaginar o porquê
de tal alucinação, volto agora para a sala e para minha surpresa, sobre a mesa
onde escrevi as últimas palavras de meu novo livro, vejo pequenas folhas secas
formando, numa graciosa dança coreografada, a palavra “obrigado”. Sem entender,
ainda atônito e assustado, olho agora para as folhas de papel onde posso agora
ver surgirem do nada, o texto que vou relatar agora, conforme as palavras estão
se formando: “_e agora me despeço deste escritor que tão boa forma deu às
histórias que o intuí e por muitas vezes soprei aos seus ouvidos da alma. Este
é o livro que ficou pendente todos estes anos depois que o cancro resultou em
minha morte. Durante este tempo, não encontrei alguém que pudesse ser sensível
o suficiente para transcrever meus últimos contos. Agora está concluído. Posso
descansar em paz e seguir o meu caminho em busca do conhecimento eterno. Meu
nome é H P Lovecraft. E passo a você, todo o meu dom para continuar a escrever.
Emocionado, vejo agora que as
folhas secas se levantam num pequeno ciclone, caminham pela sala
silenciosamente em seu turbilhão e passam por debaixo da porta. Não sou mais o
mesmo. Carrego agora uma responsabilidade. Recebi um fardo do qual procurarei
honrá-lo. Espero não decepcionar. CLIQUE AQUI E LEIA ESTE E OUTROS CONTOS!
Manequim
As vitrines ali e eu, cansado de buscar não sei o que,
olhando a disformidade de minha imagem tal espelhos de parque de diversões
mambembe. Mas, é verdade. Não sou mais quem acho que sou. A idade é cruel e
agora, por um rápido lampejo, vejo minha real imagem. Me assusto. Não tem
volta. O narcisismo cai no chão e me desespero silenciosamente. Com um sorriso
disfarçado, me lanço na felicidade dura dos manequins da vitrine. Sempre
jovens, com as melhores roupas, invejados em suas formas. Mas, como eu, preso em
minhas imagens distorcidas, eles estão presos em suas vitrines. Eles vêem a
vida passando com seus olhos de vidro. Eu envelheço. Sigo em frente a caminho
do final certeiro. Eles ficam olhando. Nas vitrines.
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