Durante
toda a semana, anseio pela chegada do domingo. Trabalhar de segunda à sábado é
cansativo. Só quem trabalha com este tipo de jornada, sabe do que estou
falando. Enfim, ele chega! O domingo. E o sol vem com força, festejar este tão
esperado dia. Descanso? Não! Dar banho nos cachorros, cortar a grama, lavar o
carro, consertar o chuveiro, ajudar com a louça, arrumar o quarto de guardados,
o famoso “quartinho”, e jogar fora tudo o que não serve mais. Não reparamos,
mas fico surpreso de como guardamos coisas inúteis! Na verdade, esta última
tarefa, a de arrumar o “quartinho” é a mais árdua. Você sempre acha que aquele
pedaço de arame enferrujado, o ventilador quebrado, o rolo de pintura sujo, a
lata de tinta com um “restinho”, dentre centenas de coisas velhas, vão servir
para alguma coisa. Mas, impiedosamente recolho tudo fazendo a seguinte
pergunta: _Quando foi a última vez que precisei usar estas coisas? Se mais de
seis meses ou eu não lembro quando, o caminho é a lixeira. Assim foram, neste
domingo de descanso, computadores queimados, caixas de som furadas, fios,
lustres quebrados, televisores pifados, revistas velhas, livros de receitas,
ventiladores sem pás, enfim, muita sucata, algumas até possíveis de serem
recuperadas mas substituídas pela mágica da obsolescência que nos traz sempre
novidades tecnológicas. Mas, uma coisa eu achei no fundo de um armário, coberto
por uma fina camada de poeira e mofo: a minha caixa de recordações.
Imediatamente, ao ver a caixa, lembrei-me de um grande amigo que, ironicamente
não está presente dentro das recordações da caixa, mas que me ensinou muitas
coisas sobre a vida, inclusive a importância de termos uma caixa (e ele tem a
dele) com nossas “coisas de viver”. Ele fala sempre sobre um poema de Horacio
Ferrer, musicado por Astor Piazzolla, ambos seus patrícios portenhos (a bem da verdade, Horacio era uruguaio e Astor nasceu em Mar del Plata. Mas ambos morreram em Buenos Aires), a “Balada
para mi muerte”. Num trecho do belíssimo tango, pode-se ouvir o trecho:
“Moriré em Buenos Aires, será de madrugada,
Guardaré mansamente las cosas de vivir,
Mi pequeña poesia de adioses y de balas,
Mi tabaco, mi tango, mi puñado de esplín,
Me pondré por los hombros, de abrigo, toda
el alba,
Mi penúltimo whisky, quedará sin beber!”
Peguei
a caixa e, dentro dela, encontrei tesouros daqueles que valem mais do que
qualquer coisa material. Cada pedaço amarelado de papel, cada desenho, cada
postal carta ou bilhete, que, na verdade não valem nada em sua materialidade,
trazem a força mágica de nos transportar aos momentos felizes que vivemos no
passado. A reencontrarmos a energia de pessoas que compartilharam momentos de
nossa história de vida, num verdadeiro túnel do tempo. Nossas coisas de viver
são incapazes de nos trazer de volta o tempo passado. Mas são capazes, com sua
enorme força, de levar nossos espíritos a revisitar momentos felizes. Mais do
que simples fotos, estes pedaços de papel surrados pelo tempo, rotos pelas
traças, manchados pelo mofo, são a materialização das emoções que tivemos.
Ao
colecionar estas preciosidades ainda jovem, imaginei que valeriam muito para
mim. Agora, do alto de minha idade, fico feliz por ter preservado este tesouro.
Podem, uns e outros, perguntarem o que isso importa na vida prática. Para estes
eu respondo que as coisas de viver servem para que eu descubra quem fui e quem
sou hoje. Servem para eu descobrir porque sou quem sou. Servem para que nunca
esqueça das pessoas, mesmo as que não estão dentro da caixa, que forjaram minha
vida com o que elas tinham de mais puro em suas almas. Para quem não tem sua
caixa de “coisas de viver”, sempre há tempo. Ela é a materialização de nosso
espírito enquanto ainda estamos por aqui. É a nossa arca da aliança com a vida.
Paul
Richard Ugo.