quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

VOLTA ÀS RAÍZES

Vou a Portugal como quem ansioso caminha
Trilhar às avessas o mesmo curso que fez Pero Vaz
Pousarei em terra alfacinha
Capital da nação de um povo audaz.

Quero saudar o túmulo de Cabral
Homem bravo e “bestial”!

Tal qual Gusmão em sua passarola
Verei do alto o mar já tantas vezes navegado
Onde jazem bravos navegantes
E o estuário do Tejo ao som do fado
Me lembrará Camões e as aventuras gigantes

Ah, D. Manuel!
Criador de Portugal
Beijaria seu imperial anel
Reverenciando a coragem sem igual

E gritaria para sua corte
Povo luso bravo e forte!
Sereis imortais por todo o mundo
Que ainda treme com seus contos lendários
Marcando na pedra em profundo
A gloriosa história dos Templários.

Tens sua marca nos quatro cantos
Ásia, América, África e Europa
Muitos lhe causaram alguns quebrantos
Mas isto é coisa de outrora

Quisera tivéssemos no Brasil
Em sua insossa história juvenil
Bravos guerreiros com louvor
Tais como D. Gonçalo O Lidador

Voltarei no tempo criadouro
De uma nação brasileira
Que costas voltou ao antigo feudo mouro
Acabando de vez na algibeira.

Ao chegar a este mágico local
Humildemente me curvarei
Diante de tu ó Portugal
Por meus antepassados chorarei.

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

PEQUENO CONTO DA LOWER EAST SIDE



Ernesto Alcaraz não sabia o que fazer. Acabara de ser dispensado sem maiores explicações da banda que acompanhava o cantor Marvin Gaye quando este vinha aos estúdios de gravação em Manhattan. Marvin havia decretado falência ao separar-se da mulher pagando a ela uma fortuna em indenizações, além de sofrer de depressão e usar drogas que o fizeram optar em isolar-se num trailer no Havaí. Ernesto voltou para casa atordoado com o que seria o seu futuro. O show business estava passando por um momento de crise e o mundo caminhava para o caos financeiro. O moral do povo americano estava abalado pela Guerra do Vietnam e o Oriente Médio usava o petróleo como arma para pressionar países por seus apoios contra Israel. Nova York tentava se ver livre da crise na segurança e nas finanças da cidade, dirigida pelo baixinho Prefeito Abraham Beame. O trabalho como músico percursionista rendia a Ernesto o suficiente para pagar o aluguel de seu pequeno apartamento num cortiço na Orchard Street, que dividia com Tony, um pequeno traficante de heroína que “trabalhava” durante a madrugada e Ron, um ator de filmes pornográficos, produzidos em super-8 e vendidos nas lojas de artigos x-rated. Ernesto estava juntando dinheiro para alugar um apartamento melhor e trazer sua esposa de Porto Rico e a turnê que estava quase contratada pela Tamla Motown, iria render um bom dinheiro. Com o fim dos projetos de Marvin, Ernesto viu seus planos se desfazerem. O mercado discográfico estava agora se voltando para o fenômeno da Disco Music e Ernesto não tinha muitos conhecimentos nesta nova “roda” profissional. No Lower East Side, conhecido pelos latinos como Loisaida (Lower East Side lido rapidamente com sotaque latino), Ernesto era um dos organizadores do The Loisaida Festival, um dia inteiro dedicado a festas pelas ruas do bairro, celebrando os imigrantes que se instalaram por lá numa onda iniciada pelos judeus no final do século XIX. Estes imigrantes eram em sua grande maioria, latinos. E dentre estes, a maioria era de porto-riquenhos. Todos os anos, Ernesto e seus amigos organizavam um pequeno desfile e barracas eram montadas para a venda de comidas típicas. Num pequeno palco, Ernesto se apresentava com outros amigos, tocando e cantando bombas, plenas e trovas, ritmos típicos de Porto Rico. Ao final, quando todos já estavam embriagados, ainda podiam-se ouvir umas parrandas sendo tocadas nos cortiços, varando a madrugada. Pablo, seu amigo e também organizador do festival, encontrou Ernesto a caminho de casa, andando como um zumbi sem expressão: _O que passa, homem? Está pálido? Lembre-se que amanhã começa nosso festival e hoje à noite vamos ensaiar nossas bombas! – o desespero de Ernesto fez com que ele sequer prestasse atenção em Pablo, que ficou furioso e saiu blasfemando: _ Cabrón, pelotudo, músico de mierda! – Uma única esperança urgia na cabeça de Ernesto: visitar Mamá Yaya Kimbisa – a sacerdotisa Palo Monte Mayambo. Só via nela uma solução para seu desespero. Tinha certeza de que tudo isso era por conta de não ter terminado seu trabalho de iniciação. Ernesto subiu as escadas do antigo prédio e chegou até o andar onde Mamá Yaya Kimbisa atendia. A porta foi aberta por uma auxiliar, vestida com suas roupas africanas. O ambiente era escuro e o cheiro de incenso era muito forte. Antes de ser anunciado, Mamá Yayá gritou lá do fundo do enevoado apartamento, cheio de velas, amuletos, oferendas e estátuas de madeira: _Ernesto! Eu estava te esperando, meu filho! – Assustado, Ernesto foi até o pequeno quarto que funcionava como santuário. Mamá Yaya estava sentada em seu trono, cercada de flores, velas, santos, crucifixos, esqueletos humanos, chapéus, fitas, bengalas, chifres, tridentes dentre outras coisas usadas nos rituais. _Se ajoelha, meu filho. Não temos muito tempo – disse ela entre os dentes que de tão cerrados, quase cortavam a ponta de um enorme charuto. _você – continuou ela – não terminou a Kimba, e deixou as coisas soltas à sua volta. Para ser Ngangulero, tem que ir até o fim senão os Mpungos não vão te proteger. Você já está rayado. Agora tem que terminar para ter sua prenda. Neste momento, Ernesto jogou seu corpo para trás numa inacreditável contração. Suas mãos foram para suas costas, contraídas em forma de garras. Ernesto incorporou uma entidade que deixou Mamá Yaya assustada. Era um Mpungo Sete Raios como ela nunca vira antes. Uma forte gargalhada anunciou sua presença. Ernesto incorporado por Sete Raios, com os olhos revirados falou com sua característica voz rouca: _ Este cavalo está cheio de problemas! Mas Yayá pergunta se ele quer fama, sucesso e dinheiro. Se ele disser que sim, diz que isso vai custar caro. Vou querer um sacrifício muito grande. _Dito isso, Sete Raios soltou outra sonora gargalhada deixando Ernesto caído no chão, desfalecido.
Pablo e seus amigos já não acreditavam que Ernesto viria para o show. Como não esteve no ensaio, certamente não iria animar o festival. Porém, alegre e confiante Ernesto subiu ao palco como se nada tivesse acontecido e apresentou-se com uma performance que impressionou a todos. Sua participação fez com que o público gritasse e aplaudisse pedindo bis. Na manhã seguinte, o telefone tocou incessantemente, acordando Ernesto e aborrecendo Tony que acabara de chegar de mais uma noitada de venda de drogas e tentava dormir. Atendeu com sua voz sonolenta. Era Berry Gordy Jr., o todo-poderoso da Tamla-Motown oferecendo um belo contrato como percursionista da gravadora. Disse que havia estado de passagem no festival na noite anterior e ficou impressionado com o desempenho de Ernesto. Deixou até escapar de que poderia investir na carreira solo por conta de seu estilo e o fato de ser um latino. Desligou o telefone após marcar uma reunião no mesmo dia no The New Yorker Hotel. Ernesto não pode conter sua alegria, e pulava gritando que sua sorte estava mudando, sacudindo Tony que tentava dormir em vão. O telefone tocou mais uma vez interrompendo seu entusiasmo. Era Pablo, irmão de Ernesto ligando de Porto Rico com a notícia de que Rosário, sua esposa, havia acabado de morrer de um mal súbito.

Depois disso, após alguns anos, vários Grammys estavam expostos nas prateleiras de Ernesto em sua casa de Beverly Hills. Este e outros 21 contos você encontra neste link. CLIQUE AQUI!