quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

VOLTA ÀS RAÍZES

Vou a Portugal como quem ansioso caminha
Trilhar às avessas o mesmo curso que fez Pero Vaz
Pousarei em terra alfacinha
Capital da nação de um povo audaz.

Quero saudar o túmulo de Cabral
Homem bravo e “bestial”!

Tal qual Gusmão em sua passarola
Verei do alto o mar já tantas vezes navegado
Onde jazem bravos navegantes
E o estuário do Tejo ao som do fado
Me lembrará Camões e as aventuras gigantes

Ah, D. Manuel!
Criador de Portugal
Beijaria seu imperial anel
Reverenciando a coragem sem igual

E gritaria para sua corte
Povo luso bravo e forte!
Sereis imortais por todo o mundo
Que ainda treme com seus contos lendários
Marcando na pedra em profundo
A gloriosa história dos Templários.

Tens sua marca nos quatro cantos
Ásia, América, África e Europa
Muitos lhe causaram alguns quebrantos
Mas isto é coisa de outrora

Quisera tivéssemos no Brasil
Em sua insossa história juvenil
Bravos guerreiros com louvor
Tais como D. Gonçalo O Lidador

Voltarei no tempo criadouro
De uma nação brasileira
Que costas voltou ao antigo feudo mouro
Acabando de vez na algibeira.

Ao chegar a este mágico local
Humildemente me curvarei
Diante de tu ó Portugal
Por meus antepassados chorarei.

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

PEQUENO CONTO DA LOWER EAST SIDE



Ernesto Alcaraz não sabia o que fazer. Acabara de ser dispensado sem maiores explicações da banda que acompanhava o cantor Marvin Gaye quando este vinha aos estúdios de gravação em Manhattan. Marvin havia decretado falência ao separar-se da mulher pagando a ela uma fortuna em indenizações, além de sofrer de depressão e usar drogas que o fizeram optar em isolar-se num trailer no Havaí. Ernesto voltou para casa atordoado com o que seria o seu futuro. O show business estava passando por um momento de crise e o mundo caminhava para o caos financeiro. O moral do povo americano estava abalado pela Guerra do Vietnam e o Oriente Médio usava o petróleo como arma para pressionar países por seus apoios contra Israel. Nova York tentava se ver livre da crise na segurança e nas finanças da cidade, dirigida pelo baixinho Prefeito Abraham Beame. O trabalho como músico percursionista rendia a Ernesto o suficiente para pagar o aluguel de seu pequeno apartamento num cortiço na Orchard Street, que dividia com Tony, um pequeno traficante de heroína que “trabalhava” durante a madrugada e Ron, um ator de filmes pornográficos, produzidos em super-8 e vendidos nas lojas de artigos x-rated. Ernesto estava juntando dinheiro para alugar um apartamento melhor e trazer sua esposa de Porto Rico e a turnê que estava quase contratada pela Tamla Motown, iria render um bom dinheiro. Com o fim dos projetos de Marvin, Ernesto viu seus planos se desfazerem. O mercado discográfico estava agora se voltando para o fenômeno da Disco Music e Ernesto não tinha muitos conhecimentos nesta nova “roda” profissional. No Lower East Side, conhecido pelos latinos como Loisaida (Lower East Side lido rapidamente com sotaque latino), Ernesto era um dos organizadores do The Loisaida Festival, um dia inteiro dedicado a festas pelas ruas do bairro, celebrando os imigrantes que se instalaram por lá numa onda iniciada pelos judeus no final do século XIX. Estes imigrantes eram em sua grande maioria, latinos. E dentre estes, a maioria era de porto-riquenhos. Todos os anos, Ernesto e seus amigos organizavam um pequeno desfile e barracas eram montadas para a venda de comidas típicas. Num pequeno palco, Ernesto se apresentava com outros amigos, tocando e cantando bombas, plenas e trovas, ritmos típicos de Porto Rico. Ao final, quando todos já estavam embriagados, ainda podiam-se ouvir umas parrandas sendo tocadas nos cortiços, varando a madrugada. Pablo, seu amigo e também organizador do festival, encontrou Ernesto a caminho de casa, andando como um zumbi sem expressão: _O que passa, homem? Está pálido? Lembre-se que amanhã começa nosso festival e hoje à noite vamos ensaiar nossas bombas! – o desespero de Ernesto fez com que ele sequer prestasse atenção em Pablo, que ficou furioso e saiu blasfemando: _ Cabrón, pelotudo, músico de mierda! – Uma única esperança urgia na cabeça de Ernesto: visitar Mamá Yaya Kimbisa – a sacerdotisa Palo Monte Mayambo. Só via nela uma solução para seu desespero. Tinha certeza de que tudo isso era por conta de não ter terminado seu trabalho de iniciação. Ernesto subiu as escadas do antigo prédio e chegou até o andar onde Mamá Yaya Kimbisa atendia. A porta foi aberta por uma auxiliar, vestida com suas roupas africanas. O ambiente era escuro e o cheiro de incenso era muito forte. Antes de ser anunciado, Mamá Yayá gritou lá do fundo do enevoado apartamento, cheio de velas, amuletos, oferendas e estátuas de madeira: _Ernesto! Eu estava te esperando, meu filho! – Assustado, Ernesto foi até o pequeno quarto que funcionava como santuário. Mamá Yaya estava sentada em seu trono, cercada de flores, velas, santos, crucifixos, esqueletos humanos, chapéus, fitas, bengalas, chifres, tridentes dentre outras coisas usadas nos rituais. _Se ajoelha, meu filho. Não temos muito tempo – disse ela entre os dentes que de tão cerrados, quase cortavam a ponta de um enorme charuto. _você – continuou ela – não terminou a Kimba, e deixou as coisas soltas à sua volta. Para ser Ngangulero, tem que ir até o fim senão os Mpungos não vão te proteger. Você já está rayado. Agora tem que terminar para ter sua prenda. Neste momento, Ernesto jogou seu corpo para trás numa inacreditável contração. Suas mãos foram para suas costas, contraídas em forma de garras. Ernesto incorporou uma entidade que deixou Mamá Yaya assustada. Era um Mpungo Sete Raios como ela nunca vira antes. Uma forte gargalhada anunciou sua presença. Ernesto incorporado por Sete Raios, com os olhos revirados falou com sua característica voz rouca: _ Este cavalo está cheio de problemas! Mas Yayá pergunta se ele quer fama, sucesso e dinheiro. Se ele disser que sim, diz que isso vai custar caro. Vou querer um sacrifício muito grande. _Dito isso, Sete Raios soltou outra sonora gargalhada deixando Ernesto caído no chão, desfalecido.
Pablo e seus amigos já não acreditavam que Ernesto viria para o show. Como não esteve no ensaio, certamente não iria animar o festival. Porém, alegre e confiante Ernesto subiu ao palco como se nada tivesse acontecido e apresentou-se com uma performance que impressionou a todos. Sua participação fez com que o público gritasse e aplaudisse pedindo bis. Na manhã seguinte, o telefone tocou incessantemente, acordando Ernesto e aborrecendo Tony que acabara de chegar de mais uma noitada de venda de drogas e tentava dormir. Atendeu com sua voz sonolenta. Era Berry Gordy Jr., o todo-poderoso da Tamla-Motown oferecendo um belo contrato como percursionista da gravadora. Disse que havia estado de passagem no festival na noite anterior e ficou impressionado com o desempenho de Ernesto. Deixou até escapar de que poderia investir na carreira solo por conta de seu estilo e o fato de ser um latino. Desligou o telefone após marcar uma reunião no mesmo dia no The New Yorker Hotel. Ernesto não pode conter sua alegria, e pulava gritando que sua sorte estava mudando, sacudindo Tony que tentava dormir em vão. O telefone tocou mais uma vez interrompendo seu entusiasmo. Era Pablo, irmão de Ernesto ligando de Porto Rico com a notícia de que Rosário, sua esposa, havia acabado de morrer de um mal súbito.

Depois disso, após alguns anos, vários Grammys estavam expostos nas prateleiras de Ernesto em sua casa de Beverly Hills. Este e outros 21 contos você encontra neste link. CLIQUE AQUI!

domingo, 26 de outubro de 2014

AS VIDAS DE CHARLES

Charles Boyle sentou-se para tomar seu café da manhã, ainda com sono por mais uma noite mal dormida. Olhou para a xícara, ainda vazia e dirigiu o olhar para sua esposa, que já estava quase no final de seu desjejum. _ O café está lá, na garrafa em cima da bancada da pia! – disse ela com sua voz rouca e áspera, comum nas mulheres fumantes, cansadas da vida simples, limitada e sem perspectivas. Charles não se lembrava de quando esta frase começou a ser dita todos os dias mas mesmo já esperando ouvi-la, tentava em vão, mostrar a sua amarga esposa que ele gostaria que ela voltasse a servir o café para ele. _Não dormiu direito outra vez? – perguntou ela com seus cabelos sujos e despenteados e sua camisola de ban-lon rota na gola.
_Não. Faz tempo que não sei o que é dormir bem. Acho que estou ficando velho. Dizem até que quem não dorme bem acaba morrendo mais cedo. Talvez seja melhor assim. Sabe se a minha roupa que lavei ontem já secou? – perguntou ele.
_Com esta chuva fina? Acho que não. Se estiver úmida, você seca no ferro de passar. – disse ela levantando-se e indo até a pequena sala ligar a televisão e assistir ao programa de receitas e artesanatos.
Charles levantou-se e juntou as xícaras, facas e colheres e procurou um lugar na pia, ainda cheia com a louça da noite anterior. Começou a lavar toda a louça pois não suportava a ideia de chegar em casa à noite e encontrar mais louça a ser lavada. E Margareth sabia disso e deixava ele lavar. Charles contou até três para ouvir outra frase rotineira:_ Deixa aí que eu lavo mais tarde! Como Margareth havia antecipado, as roupas de Charles ainda estavam úmidas e com aquele cheiro característico de sabão em pó. Secou-as à ferro com cuidado, abstraindo-se do mundo real enquanto deixava liso o tecido rugoso de suas roupas úmidas.
No caminho até sua pequena loja de antiguidades, foi mais uma vez pensando no sonho da noite anterior. O que antes parecia ser como pequenos flashes a uns anos atrás era agora real. Ficava impressionado com a clareza de sua memória ao lembrar-se de cada detalhe. Era como se assistisse a um seriado de TV todas as noites. Cada noite um capítulo. Fazia frio naquela manhã de outono na pequena Lismore, no Condado de Waterford. De sua casa na Station Road até a Main Street onde ficava o antiquário, eram apenas 18 minutos de caminhada. A loja ficava ao lado do simpático The Rustic Café onde todos os dias tomava o tradicional chá no meio da tarde, hábito que adquiriu com seu avô. Evitava almoçar fora, e sempre levava consigo uma pequena marmita que aquecia na pequena cozinha nos fundos da loja. Mas às vezes, quando recebia algum comprador que necessitasse de um pouco mais de atenção para poder fechar um bom negócio ou algum marchand de obras de arte, almoçava no The Castle Lodge Restaurant bem em frente. E tinha boas razões para isso. Ao chegar todos os dias, encontrava a loja sempre limpa e arrumada, com as portas já abertas por seu funcionário Ronan que trabalhava a muitos e muitos anos com a família de Charles. Ronan vivia num pequeno apartamento aos fundos da loja, com apenas um quarto, sala, banheiro e uma pequena cozinha. Tinha problemas mentais, quase não falava, não tinha estudado e fora renegado por sua família por conta de sua deficiência. Mas Charles não sabia quando estes fatos aconteceram. O pai de Charles seguiu o caminho seu avô, permanecendo com Ronan. Depois da morte do pai de Charles, Ronan continuou a trabalhar na loja, servindo agora CLIQUE E COMPRE SEU LIVRO AGORA!

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

A PELE.


Fazia mais de uma semana que Malcon não saia de casa. Depois daquela festa, sua alma parecia não ter mais vitalidade. Morava sozinho e não queria saber se era dia ou noite. Mantinha as pesadas cortinas fechadas. Os únicos barulhos que se ouviam eram do grande relógio carrilhão centenário, dos pingos d’água da pia do lavabo e, vez ou outra, de alguma carruagem que passava por ali, talvez de vendedores de leite ou lenha que, vendo a casa fechada, seguiam sem ao menos pararem. Sua aparência era horrível. Nem parecia o vistoso Malcon que impressionava por sua inteligência e presença nos melhores lugares da cidade. Estava muito abatido, com a barba já crescida nestes sete dias sem ao menos tomar banho. Cabelos sujos engordurados mantinha seu corpo envolto em um robe de chambre, sentado na sala de estar. Já não sabia quantas garrafas de absinto havia bebido. Mantinha-se bêbado pois assim estaria fora da realidade que o abatera. A casa estava toda fora de ordem, com restos de comida por todos os lugares, móveis fora do lugar, peças de decoração quebradas em cacos que se misturavam aos de garrafas lançadas contra as paredes. As velas dos candelabros estavam terminando. Para ele, pouco importava. Queria mesmo que sua vida terminasse quando a última chama se apagasse naturalmente.PARA CONTINUAR A LER ESTE E OUTROS CONTOS, CLIQUE AQUI.

O TÚNEL.


A última parada para descansar e comer alguma coisa tinha sido a quase uma hora antes. O efeito do café forte já estava passando e o sono chegava com força aos olhos de Donald. Até Cumberland, levaria mais uma hora e meia. Mas desta vez não teve como recusar o encontro com Mr. Terence. Deste a morte de sua esposa, Mr. Terence queria se desfazer de algumas peças antigas que tanto ela gostava e que ele achava um exagero. E Donald foi quem vendeu grande parte da coleção de porcelanas e quadros para Ms. Sharon, que visitava regularmente sua loja na Antique Row em Baltimore. Mr. Terence era um homem rico, elegante e excêntrico. De origem inglesa, mantinha as tradições e hábitos adquiridos ainda jovem quando vivia em Rochester, pequena cidade a cerca de 27 milhas de Londres. Donald já havia estado em Cumberland uma vez, quando Ms. Sharon abriu as portas do rancho próximo ao Chesapeak and Ohio Canal Park na Brice Rollow Road. O casal promoveu uma mostra de sua coleção de obras de arte e doou 5 telas para um leilão de caridade, revertendo a renda para a St. Peter’s Catholic Church, em Paw Paw. Na Inglaterra, frequentavam a St. Peter’s Prince of the Apostles Roman em Gillinghan, a apenas 2 milhas de distância. Foi lá que Mr. Terence conheceu sua esposa na escola dominical, onde ajudavam nas atividades da paróquia. Ms. Sharon continuou a sua rotina depois que mudaram para os Estados Unidos mas Mr. Terence se afastou da igreja com a chegada da velhice. Era um leitor quase compulsivo e tinha se dedicado a estudos de religiões antigas. O casal tinha discussões frequentes por conta do distanciamento de Terence da igreja. Ele começou a investigar a história de uma seita trazida pelos operários vindos de Hunsrück – Alemanha, contratados pela C&O, empresa encarregada pela construção do Canal Paw Paw Tunnel, que fazia parte da rede de canais que desviavam parte das águas do Rio Potomak, irrigando áreas agrícolas. CLIQUE AQUI PARA COMPRAR SEU EXEMPLAR AGORA!

O DÉCIMO TERCEIRO.


Clarence era o décimo terceiro filho. Exceto por sua mãe ter morrido em seu parto, não tinha até então, sofrido nada além das piadas sem graça à cerca de ter sido o filho número treze de John e Sylvia Smith. Coincidência ou não, seu pai morreu misteriosamente quando Clarence completou treze anos. De forma trágica porém comum entre os lenhadores de Hayward. John bebia muito e estava sempre envolvido em brigas que segundo alguns, acabaram resultando em sua morte. Até hoje o algoz que o matou não foi encontrado. Seu corpo foi cortado em 13 pedaços com seu próprio pesado e afiado machado American Felling Axe com cabeça de 4 libras feita em aço 5160 e cabo de nogueira de Appalachia. De forma bizarra, mantinham até hoje o machado de John na parede sobre a lareira da sala principal da casa, da mesma forma como fora encontrado, ao lado de uma dezena de troféus ganhos durante várias décadas no Lumberjack World Championships que acontece desde 1960 em Hayward. O sustento do rancho ficou por conta dos irmãos mais velhos que seguiram, os homens, o caminho do pai. CLIQUE AQUI PARA COMPRAR SEU EXEMPLAR AGORA!


O GATO.

O Implacável despertador do celular tocou. O sol demoraria muito a aparecer mesmo faltando 20 dias para o início do inverno. Parecia não acreditar que teria que sair da cama que, naquele momento, parecia perfeitamente acomodada ao seu corpo. “– Quem merece ser despertado no melhor de seu sono”? – resmungou. Sua ida até o banheiro foi claudicante. Seus pés doíam a cada passo. Já havia passado dos 50 anos e lembrou da frase popular: “O dia que você se levantar da cama e não sentir dor nenhuma é porque está morto”. Peter sempre procurava trilhar seus pensamentos com temperos de bom humor. Uma vez por semana a cena se repetia. Todas as quartas-feiras tinha que ir até Baltimore dar aula de Marketing em um curso de MBA na Johns Hopkins University.
A cafeteira elétrica, programada no dia anterior soava seu bip-bip. O café estava pronto. Todo o ritual de se arrumar, tomar o café, conferir seu material de aula e sair, levava cerca de uma hora. Às 4 horas já estava sentado em seu carro, logo após ter passado um pano nos vidros e espelhos molhados pelo frio orvalho da madrugada. Peter sempre foi um motorista cauteloso e preocupado com segurança. Saiu pelas ruas desertas e silenciosas de seu bairro. Parecia que o sol levaria mais tempo para clarear o céu pois uma fina chuva começava a cair. Logo alcançou a estrada estreita que o levaria até a rodovia principal. Apesar de ser uma estrada mal conservada e de apenas uma pista de mão dupla, o movimento durante o dia era intenso por conta do crescimento da pequena cidade, passagem quase que obrigatória para um novo complexo industrial que se instalara a poucos quilômetros de onde Peter fora morar, fugindo das mazelas das grandes cidades. Este súbito crescimento da pequena cidade já começava a incomodá-lo. Ligou o rádio do carro buscando a estação de notícias que sempre ouvia para saber as condições do tráfego. Escolheria o melhor trajeto de acordo com as informações, mesmo sabendo que àquela hora nenhuma informação consistente seria dada, pois o helicóptero da emissora não sairia com esta nebulosidade. Nem tampouco a esta hora da madrugada.CLIQUE AQUI E COMPRE SEU EXEMPLAR AGORA

quinta-feira, 3 de julho de 2014

O FADO DE ANTÔNIO

                                             
Antônio chegou cedo na Parreirinha de Alfama, no Beco do Espírito Santo. Não havia entendido o motivo de seu editor ter marcado uma reunião em um bairro boêmio e perigoso. Ao entrar na Parreirinha, leu num recorte de jornal com a programação da casa, a seguinte frase: “Não tenham medo da fama, de Alfama mal afamada, que a fama às vezes difama, gente boa, gente honrada”. É claro que a casa de fados era uma das melhores de Lisboa e teve sorte de ser o dia de apresentação de Argentina Santos dona do já famoso estabelecimento, e isto já serviu de alento. Escolheu uma mesa de onde estrategicamente, poderia ver quem entrava na casa e também assistir ao show. Pediu uma porção de linguadinhos fritos e uma jarra de vinho branco. Já passava das 9 horas e o editor da Bertrand não havia chegado. Antônio olhava para sua pasta de couro surrado que abrigava os originais de seu segundo livro e algumas outras anotações pessoais das quais guardavam enormes segredos. Aquilo era seu maior tesouro. O seu primeiro livro havia feito certo sucesso, tendo sido traduzido para o francês e para o inglês. Apesar de não ser o estilo que mais gostava, foi o que pode fazer, em se tratando de uma “obra encomendada”. Já este segundo livro era algo autoral, criado sem influências, vindo do que achava ser do fundo de sua alma. Tinha certeza de que seria um grande sucesso. Falava de amores, romances e os mistérios do coração. Argentina Santos iniciou o show, com seu repertório castiço dolorido, talvez por ter nascido na Mouraria e trazer as dores dos últimos mouros confinados por D. Afonso naquela região.  O repertório lindo, que trazia aos olhos as lágrimas das fontes termais de Al-Hamma, os deliciosos linguadinhos e as jarras de vinho branco fizeram com que Antônio esquecesse de seu compromisso, que até então não havia chegado. Talvez estivesse às voltas com a promoção de Vergílio Ferreira e seu bem sucedido livro A Aparição. Foi o grande sucesso deste 1959 tão sofrido para Antônio. Em seu íntimo, esperava ter o mesmo tratamento na editora. Para ler este e outros contos de Paul Richard Ugo, clique aqui! CLIQUE E COMPRE SEU EXEMPLAR AGORA!

quarta-feira, 30 de abril de 2014

MORTE BARATA

Depois de um dia cansativo de trabalho, daqueles que você preferia ter morrido a ter que enfrentar problemas sem soluções aparentes, chegar em casa poderia ser um descanso. Cortinas fechadas, a casa às escuras, a solidão como companhia. Corro ao pequeno bar sobre uma mesa improvisada, na qual repousam diversas garrafas de bebidas. Olhar para elas era o mesmo que olhar para as prostitutas do Bunnie Ranch. As garrafas se ofereciam cada qual com sua potência alcoólica. Escolhi um Bourbon, para variar um pouco da vodka. Sabia que o Bourbon não me caía bem, me trazendo uma ressaca forte no dia seguinte. Mas para que se importar com a ressaca se na verdade eu queria mesmo que o dia acabasse para sempre naquela garrafa? Meu estômago clamava por comida mas achei prudente não saciá-lo para que o álcool chegasse mais rápido em minhas veias. O primeiro copo desceu rápido, imediatamente provocando um torpor na minha fronte. Tentei chegar até a cozinha para pegar umas pedras de gelo para o próximo copo. Fazia calor e o álcool já começava a fazer com que gotas de suor escorressem por minhas costas. Enchi o copo com gelo e completei com o Bourbon. Era um Evan Willians Black, que ganhei de um vendedor de Kentucky. Lembro ainda quando ele me disse: _ Quando você for “matar” a garrafa, lembre-se de seu amigo aqui que conta com seu próximo pedido!” Matar a garrafa... o que eu queria naquele momento era que ela me matasse. A segunda dose desceu mais devagar. Eu já estava tonto, e pronto para uma nova dose. Copo long drink cheio! Terceira dose e, sentado na poltrona, rindo de minhas desgraças e de meus problemas, pude ver uma barata, daquelas que aparecem nas noites quentes de verão, caminhando, no chão, em minha direção. Sóbrio já teria partido para matá-la, assustado como ficamos todos ao vermos este asqueroso inseto. Porém, deixei ela seguir o seu caminho. Chegando próximo de meus pés, ela parou. Suas longas antenas ficaram estáticas e pude ouvir claramente sua voz: _Douglas! Douglas! LEIA ESTE E OUTROS CONTOS CLICANDO AQUI!

terça-feira, 18 de março de 2014

DONA LUA

Ilustração: Dil Marcio

Dona Lua.
E
ra uma vez, numa cidadezinha na serra, uma mulher que vivia sozinha e que estava sempre no mundo da lua. Ninguém sabia de onde ela tinha vindo. Apareceu na casa do finado Seu Leônidas, muito tempo depois dele ter ido desta para melhor. Seu Leônidas era um homem misterioso, que não falava com ninguém. Nasceu e cresceu junto com a cidade mas ninguém sabia da vida dele. Não tinha família, não tinha emprego, não tinha ninguém. A casa em que vivia foi construída por ele e levou anos para ficar pronta. Depois que morreu, do que, ninguém sabe, a casa ficou abandonada durante muitos anos. Até que a mulher apareceu. Diziam que era filha de Seu Leônidas. Outros diziam que era sobrinha. Outros, mais fofoqueiros, diziam que era sua amante, que vivia em outro lugar. Dona Bianca, este era o nome dela, passava os dias na varanda da casa, bordando um pano comprido, sem parar. Ia até a venda da cidade para comprar linha e alimentos. Outra vezes, podia-se ver Dona Bianca cuidando das plantinhas que ficavam na frente da casa.
Quando Dona Bianca andava pela rua, os mais velhos ainda tentavam um “bom dia, boa tarde, boa noite” mas Dona Bianca não falava com ninguém. Só com seu Elias, dono da venda, que, depois de algum tempo, já deixava separada a compra de Dona Bianca para evitar falar com ela. PARA CONTINUAR, CLIQUE AQUI E COMPRE SEU LIVRO!

domingo, 16 de março de 2014

A BRINCADEIRA DO COPO.

Quem nunca ouviu falar sobre tábua ouija ou na chamada “brincadeira do copo”? Em minha juventude, por várias vezes reunia amigos para tentar falar com espíritos usando precários pedaços de papel cortados com as letras do alfabeto, e as palavras sim e não dispostas num círculo em volta de um copo de vidro, quase sempre de extrato de tomate, geleia ou requeijão. A verdadeira tábua Ouija era peça impossível de ser encontrada. Lembro de uma antiga livraria no Centro do Rio de Janeiro, mais precisamente no Edifício Avenida Central, que tinha várias à venda em suas vitrines. Lindas e caras peças. 

Fazer a brincadeira do copo era um momento quando tentávamos ser solenes, por entre risos nervosos e rezas tais como o Pai Nosso e a Ave Maria. Dávamos as mãos e rezávamos. Em seguida, virávamos o copo com a boca para baixo e, com os dedos sobre ele, fazíamos a esperada pergunta: _Tem alguém aí? A pergunta era repetida até que conseguíssemos fazer com que o copo fosse na direção da palavra sim. Quando isso acontecia, os olhares nervosos de todos ficavam fascinados. Afinal, o contato com o misterioso mundo espiritual estava aberto. As perguntas, por conta de nossa infante imaturidade, eram as mais tolas, tais como: _Você é homem? Mulher? De que país? – tentando criar um perfil do possível espírito. Nunca pude constatar algo que me indicasse total veracidade nos movimentos do copo. Como os dedos estavam sempre sobre ele, poderia haver uma inconsciente pressão exercida por algum participante, em busca de respostas às perguntas feitas. Mas, uma coisa posso afirmar: todas as vezes que ousei “brincar” desta maneira, o copo se movimentava com certo vigor, respondendo às perguntas feitas. Porém, nunca houve qualquer fenômeno durante ou depois de nossas sessões de contato espiritual. Ainda assim, ao final da “brincadeira”, levantávamos o copo, soprávamos, um de cada vez o seu interior e rezávamos juntos. Depois, quebrávamos o copo pois ninguém queria leva-lo para casa.

sexta-feira, 7 de março de 2014

MEU APARTAMENTO ASSOMBRADO.

Rua Delgado de Carvalho. Fui criado nesta rua. Uma tranquila rua no bairro da Tijuca, antes um bairro adorável, com gente alegre e famílias tradicionais. Depois de casado, saí de lá para tentar a vida. Foi como sair da zona de conforto e entrar num mundo feroz, de muita luta e poucos momentos de tranquilidade. Depois de um tempo fora do Rio, trabalhando em São Paulo, recebi um convite irrecusável para retornar ao Rio. O destino me levou novamente à mesma rua, que tinha um apartamento ao lado do prédio onde cresci. Aluguei o apartamento do quarto andar. Amplo, com uma enorme sala, e uma vista para as copas dos oitizeiros que sombreavam a rua. Apenas um detalhe não nos deixava à vontade na janela. Por estar ao nível da copas das árvores, as janelas estavam, também, ao nível do ninho de um pequeno gavião que costumava atacar nossas cabeças indefesas.
O prédio era um antigo conhecido. Lembro de um colega de colégio, o José, que morava no primeiro andar quando eu era criança. Filho de pais velhos, tinha todos os brinquedos que nós crianças normais desejávamos ter. Passei muitas horas de meus dias brincando em seu apartamento. Meu irmão também namorou uma bela menina que lá viveu e que gostava quando eu usava meu perfume preferido naquela época: Vitesse. No terceiro andar vivia uma rica família (para os padrões da época) donos de uma empresa de ônibus cujos filhos se divertiam em corridas de velozes karts nas pistas de Jacarepaguá. Mas, no meu retorno ao bairro, agora como um membro do prédio que tantas surpresas me provocou, agora era como uma fotografia desbotada. Dos antigos moradores, somente a filha do rico empresário que, soube mais tarde, foi sócio do antigo proprietário do apartamento que aluguei na construção do prédio, agora não tão rica depois de perder os pais e as empresas.
O apartamento fora deste rico português, dono de vários imóveis no subúrbio e de uma empresa de pneus e acessórios de automóveis, comprada depois de anos por um rico senador da república que a transformou num poderoso grupo com tentáculos corruptos em diversas áreas, terminando por ser descoberto e arruinado política e profissionalmente. Ao separar-se de sua esposa, rico, foi morar com uma jovem num famoso bairro da zona sul, deixando o apartamento para a ex esposa depois da partilha dos bens feita no divórcio. A quantidade de imóveis deste português era tamanha que ele possuía uma empresa somente apara administrar seus bens. E este apartamento estava entre os imóveis que ele administrava para sua ex esposa com quem mantinha uma cordial relação. Após a separação, ela permaneceu no apartamento durante alguns anos, amasiando-se com seu motorista que acabou assumindo o romance indo morar com ela no confortável apartamento. Homem cuidadoso, adorava o imóvel e o mantinha sempre muito bem cuidado. Não sei em que circunstâncias, este homem faleceu no apartamento, levando a mulher e sua filha saírem de lá e irem morar no subúrbio, certamente de onde saíra antes de enriquecer. Desta maneira, o apartamento ficou disponibilizado para aluguel.
As informações que passei agora para o leitor que chegou até aqui, só passou a ser de meu conhecimento após a série de eventos que vou relatar em seguida.

Minha esposa tinha o hábito de, após levar as crianças ao colégio, dar uma caminhada pelo bairro, como forma de exercitar-se. Tínhamos uma faxineira que ia uma vez por semana limpar o apartamento. Certa vez, ao chegar em casa, minha esposa encontrou esta pobre mulher no meio da cozinha, no alto da escada de armar, almoçando assustada. Ao ser perguntada por que estava ali, respondeu que, ao limpar a sala, olhou para o corredor do apartamento e viu, claramente um homem sair de nosso quarto, atravessar o corredor não sem antes olhar para ela, e entrar no quarto que era usado como escritório. Minha mulher desconversou e, quando cheguei, comentou o assunto, um pouco descrente sobre o que a faxineira havia relatado. O interessante é que esta nunca mais voltou. Uns tempos depois, minha sobrinha veio passar uns dias de férias em casa com minhas duas filhas. Após ficarem ela e minha filha mais velha, assistindo TV até tarde, olharam para um grande espelho que ficava no fundo da sala e avistaram uma figura, não muito clara, que as deixou assustadas. Esta mesma filha mais velha, nunca, desde que mudamos para o apartamento, saía de seu quarto sem passar correndo pela sala com medo de não se sabe o que. Perguntávamos a ela e ela não sabia o motivo de tamanho medo em passar pela sala. Certa vez, num verão tempestuoso, eu e minha esposa acordamos no meio da noite com a forte chuva e o vento que fazia com que as copas das árvores batessem nas janelas. Levantei lembrando que havia deixado as janelas da sala abertas e fui até lá, caminhando às escuras como de costume. Fechei as janelas que, abertas, faziam as brancas cortinas se lançarem contra as costas do sofá do jardim de inverno. Ao virar para retornar ao quarto, olhei a sala iluminada pelos postes de luz de mercúrio da rua e vi, sentado na poltrona da sala principal, um homem. Ele olhava para mim com a segurança de quem estava confortável ali. Parei, incrivelmente sem sentir medo algum, e olhei firme para a imagem que, imediatamente se dissipou como areia ao vento. Fui até o quarto e chamei minha esposa para tomar um chá, já que o fato havia retirado de mim todo o sono. Enquanto servia a xícara com água quente na mesa da copa, minha esposa disse que, após eu sair do quarto, teve a certeza de ter visto um homem junto à porta de nosso quarto, enquanto eu estava na sala fechando as janelas. Respondi de maneira bem humorada, que este homem estava, na verdade, sentado no sofá da sala. Calados, voltamos para o quarto, tentando dormir como se houvéssemos tido um estranho sonho partilhado.